Transformador de Força como Saída de Valvulado

Excelente matéria escrita pelo eng. Antonio R. Rabitti em outubro 2006 .


Matéria Original: http://diy-rbt.tripod.com/




Alguns ensaios com transformadores de saída

INTRODUÇÃO

Aqueles que tem como hobby as montagens caseiras, o famoso DIY, e que experimentam som valvulado, em moda principalmente para os guitarristas, com certeza já pensaram em montar seu próprio equipamento. Geralmente o sonhado par de 6L6 ou EL34 entregando de 50 a 100 Watts de bom barulho.

Atualmente conseguir válvulas é fácil. Há muitos sites, principalmente dos EUA, oferecendo as excelentes Sovtek ou JJ a bons preços e chegam rapidinho. Quem não quer esperar ou arriscar a compra via Net, que dê um pulinho na Sta Ifigênia. Elas também estão por lá.

O transformador de força é relativamente simples resolver. Há “enroladores” e lojas por aí que fazem até bons serviços por preços acessíveis.

O grande problema com que o construtor irá topar é o transformador de saída! São caros, muito difíceis de se achar, praticamente impossíveis de se importar. Não apenas pelo custo elevado do frete como também porque, sendo um componente pesado, a maioria dos serviços de entrega rejeitam este trabalho impondo limite no peso das remessas. E finalmente quando se acha algum por aí, fica a dúvida da qualidade.

Bons transformadores de saída são jóias raras... Em sua construção eles exigem muita tecnologia tanto na arquitetura dos enrolamentos quanto dos materiais empregados. Os grandes fabricantes (do passado) guardavam os segredos do bom desenho pois, alem da teoria, há muitos truques práticos, coeficientes “mágicos”, detalhes esquisitos e outras minúcias e aprendizados que foram adquiridos na prática e não só nos livros.

Mas, como nada deve deter quem está a fim de experimentar, uma pergunta começou a me incomodar: Por que não usar um transformador de força, com a correta relação de espiras, como transformador de saída?

Bom, o simples atrevimento de considerar esta opção já ativa o repúdio à idéia pelas limitações inerentes aos trafos de força. Considerando o uso em freqüências de áudio, os trafos de força usam chapas de baixa qualidade, tem seus enrolamentos simplesmente empilhados (nem pensar em entrelaçamento), nem pensar em entreferro e a grande barreira da baixa indutância do primário.

Por outro lado, desafiando estas premissas todas, continuava a pergunta: Por que não experimentar? Por que condenar sem provar?
Junto vinha o empurrão: Os radioamadores chegaram a usá-los – lá pela década de 70 - como transformadores de modulação, geralmente casando um power de áudio transistorizado com a impedância bem mais elevada da válvula de saída de RF. Claro que a qualidade de áudio não contava muito naqueles velhos AM que jogavam papo fora na banda de 40 metros. Mas funcionavam!

Acontece que quando a dúvida fica martelando na cabeça só há um remédio pra resolver... ligar o ferro de solda, espalhar alguns instrumentos na mesa e por mão na massa.

Foi o que fiz. E fica descrito neste texto algumas avaliações básicas feitas nesta direção, com o objetivo de servir de estímulo pra quem quiser ir mais fundo nas considerações e, principalmente, para despertar interesse em outros experimentadores para, quem sabe, com ligeiras alterações construtivas nos trafos de força conseguir esticar um pouco mais seu desempenho.

Então vamos passo a passo nas avaliações feitas.

1. A RELAÇÂO DE IMPEDÂNCIAS

Os manuais de válvulas indicam a impedância de carga correta para as válvulas trabalhando em várias categorias e níveis de potência. E se para um determinado tipo o manual não fornece ou se queremos usá-las numa condição diferente das propostas, é possível determinar a carga ideal através das curvas de placa.
Outro parâmetro que deve ser conhecido é a impedância do alto falante que vamos usar, geralmente 4 ou 8 Ohms.
Estes são os dados de entrada.

Ao se ligar uma carga no secundário do transformador (Zs), a impedância que aparece refletida no primário (Zc) é dada por:

Zc = Zs x (Np/Ns)²

Onde Np/Ns é a relação de espiras do trafo.

Exemplo prático:

O manual de válvulas indica para uma 6V6 trabalhando em classe A

Va = 250V
Vg2 = 250V
Ip = 35 mA
Potência de saída = 4,4 W
Impedância de carga (Zc) = 5000 Ohms

Suponhamos que vamos usar um falante de 8 Ohms

A relação de espiras que o transformador de saída deve ter para fazer o casamento é de

Np/Ns = √(Zc/Zs) ou seja √(5000/8) = 25

Observar que esta relação de espiras é muito próxima na que existe num trafo de força de 220 para 9V.


Para facilitar as coisas, abaixo está uma tabelinha com a impedância de carga (que a válvula vai “enxergar”) no primário de 220V de um trafo de força quando em seu secundário usamos um falante de 4 ou 8 Ohms.
Claro que a pratica admite uma certa flexibilidade e podemos usar o número que mais se aproxima.


Outro exemplo, agora usando a tabela:

Uma 5881 trabalhando em classe A fornece 6,7 Watts nas seguintes condições (dados tirados do manual)

Va = 250V
Vg2 = 250V
Ip = 80 mA
Zc = 2500 Ohms

Esta Zc pode ser conseguida (aproximadamente) com um falante de 8 Ohms ligado num trafo de 220/12V.


2. DESEMPENHO

Quando parti para experimentar é obvio que não esperava grande coisa. O desempenho seria ruim sim. Mas quão ruim?

O passo seguinte foi a escolha do trafo.

Primeiro crivo: Resposta
A primeira “peneirada’ foi achar um trafo razoável. Numa rápida inspeção - com eles devidamente casados – e um gerador de sinais, alguns foram sumariamente descartados por apresentar “pico” (ressonância própria) bem acentuado na região de 4 a 5 kHz.
Os que tiveram uma resposta razoavelmente plana foram para a próxima etapa.

Segundo crivo: A indutância do primário (Lp).
A reatância indutiva do primário, por ficar em paralelo com Zc, determina a freqüência de corte inferior (Fci).

Quase todos os que medi (trafos na faixa de 5 a 50W de potência) exibiram indutância primária em torno dos 5 a 6 H.
Daí podemos prever a Fci. Vamos ver isso mais adiante.

Terceiro crivo: Desempenho geral.
Nesta etapa não restou outra alternativa senão pendurar uma válvula e avaliar o que acontece com a coisa funcionando.

A eleita foi uma ECL86/6GW8 que estava dando sopa na gaveta.
Abrindo o velho manual da Philips tava lá a indicação do ponto de trabalho da ECL86 (referindo-se ao pentodo de potência, uma vez que esta válvula incorpora também um triodo na mesma ampola):

VP = Vg2 = 250V
Ip = 37 mA
Zc = 7000 Ohms
Pot saída = 4 Watts

A nossa tabelinha da a dica pra conseguir os 7000 Ohms, ou seja, um falante de 8 Ohms e um trafo de 220/7,5V.

Usei um transformador 220/7,5V 1 A (ou seja, um trafo de 7,5W, para que ele tenha uma certa margem de folga). A indutância do primário medida neste trafo foi de 5,5H
A previsão da freqüência de corte inferior (Fci) já prenunciou o primeiro desastre, pois

Fci = 7000/(2 x pi x 5,5) = 200 Hz. Muito alta!

Aqui vem uma dica: usar válvulas que exijam Zc baixo ajuda muito. A ECL86 com seus 7K de carga se mostrava uma péssima opção para esta montagem mas, paciência, era a que eu tinha em mãos.

A montagem foi feita numa PCI, depois fixada sobre uma base de madeira com espaçadores, tendo os componentes montados sobre o cobre. Posteriormente foi acrescentado um triodo 6C4 na entrada para aumentar a sensibilidade e permitir o uso de um captador de guitarra.

Aí vai a foto na versão final, com a 6C4.


Resultados obtidos - medidos:

Tensão na carga (resistiva) de 7,5 Ohms para início do clipping a 1 kHz =  5,1V

Potência de saída = 5,1²/7,5 = 3,5W
Ou seja, 0,6 dB abaixo do previsto.

Potência de entrada = Vp x Ip = 270V x 37 mA = 10W
O +B acabou sendo 270V aos invés dos 250V porque montei a fonte com o material que tinha em mãos. Essa elevação na tensão de alimentação veio no sentido de contribuir para um ligeiro descasamento. Tudo conspirando contra.

Eficiência = 3,5/10 = 35% (lembrar que a eficiência máxima teórica de
um estágio single ended classe A é de 50%)

Freqüência de corte inferior = 170 Hz (de fato é alta, porem um pouco melhor que a prevista!)

Freqüência de corte superior = 7kHz (com realimentação ligada)

Cabe salientar que a realimentação estendeu um pouco a freqüência de corte superior (5 kHz c/ realimentação desligada x 7 kHz com realimentação ligada) porém praticamente não alterou o corte inferior, que ficou cravado nos 170 Hz.

SURPRESA
A maior surpresa entretanto é que ao se ligar uma caixa acústica neste amplificador e entrar com música FM (do CD portátil) o som ficou bastante aceitável. Tão razoável que resolvi colocá-lo numa caixa acústica, também de construção caseira, e está sendo usado no micro, pra ouvir MP3 e as net radio enquanto escrevo esta página. E acredite, os 3,5W fazem um bom barulho!

No desenho abaixo está o esquemático da montagem feita.



Os valores dos componentes são:

R1 = 100K
R2 = 10K
R3 = 1K2
R4 = 100K
R5 = 1M (potenciômetro – ajuste de volume)
R6 = 1K2
R7 = 100K
R8 = 1M
R9 = 220 Ohms
R10 = 50K
R11 = 220K (se o amplificador oscilar, inverter os fios do secundário do transformador de saída)

C1 = C2 = 0,1 microF/250V
C3 = 50 microF/25V
C4 = 6,8 microF/400V
C5 = 100 microF/400V
C6 = 100 microF/250V

Diodos = 1N4007

T1 = Transformador de alimentação.
Primário = 127V
Secundário1 = 100V x 0,2A
Secundário 2 = 6,3V X 3A

T2 = Ver texto

Alto falante = 8 polegadas / 15W / 8 Ohms
  
Aí vão algumas fotos da “coisa” em pleno trabalho.

Matéria escrita pelo engenheiro Antonio R. Rabitti
 em Outubro 2006

Matéria Original: http://diy-rbt.tripod.com/



Comentários


  1. oi sou sou novo nesse maravilhoso mundo dos valvulados. estou planejando construir um jcm800 ou um jtm45, mas tenho algumas duvidas que não consegui sanar ate o momento. A primeira duvida e referente a o transformador de saída, posso manter o projeto original desses modelos e apenas trocar o trafo de saída para menos watts rms? tipo trocar um trafo de 50w por um de no máximo 20w, tipo um Ceriatone 2202. oque essa mudança implicaria no projeto original? a outra duvida e em questão das quantidade de válvulas. Em que influencia no timbre? caso eu tire alguma do projeto oque eu posso perde com isso? Desculpe tantas perguntas, mas agradeço muito a ajuda que poder dar.

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    1. Para mudar a potência de um projeto nao basta fazer a simples troca do transformador, ainda é preciso ajustar o ponto den trabalho. Posso dar uma sugestão? Me parece que você busca um timbre britânico de baixa potência, monte um esquema single ended com uma válvula El34 na saída.

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  2. Entendi, agradeço, essa dica me foi de muita serventia para mim. So mais uma coisa, qual esquemas single ended, vc me indica? Assim minha guitarra e uma les paul.

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    1. Olá, bom dia. `Pesquisando sobre trafos e valvulados, cheguei a esta materia sua. Muito esclarecedora. No entanto... fico com uma duvida. Tenho um Marshall DSL15 head, valvulado... ele é 230v, consumo de 100w... compensa de boas usar um simples transformador de 300va para utilizar ele na rede 127v?

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    2. Pode essa potencia é suficiente

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  3. Excelente post, muito bom, colocar os cálculos é algo que me deixa muito contente rss

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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